Após terminar os quatro anos do então chamado ensino primário, transitei para o ciclo preparatório.
Recordo que na altura foi a maior mudança que sofri na minha vida. Em vez de ir a saltitar alegremente com os miúdos vizinhos para a escola que ficava a uns quarteirões de casa, fui para um local tão, tão remoto que tinha que viajar numa camioneta – outra incrível novidade. E, cúmulo da adrenalina, sozinho, agarrado a um varão metálico rodeado de gente estranha e sonolenta.
Em vez da escola catita e familiar, entrei desconfiado num espaço preenchido por pavilhões pré-fabricados, que em tempos foram verdes, alguns com enormes buracos e vidros rachados. Eram as salas de aulas, umas numeradas outras anónimas. Estavam organizadas de uma tal maneira que só com a ajuda do horário – outra coisa nova! – eu poderia saber a que horas e em que sala tinha que entrar. Em vez da segurança de um único professor, apresentaram-me no prazo de duas semanas, uns sete ou oito. Fora as mudanças que existiam durante o ano.
E os onde estavam os meus habituais amigos? Em vez dos vizinhos, tinha caras novas, muitas caras novas, que me diziam provir de sítios com nomes que não conhecia bem. Com o passar dos minutos ainda descortinei um ou dois conhecidos. Fazíamos então juras de pedir a algum dos professores que nos trocasse de turma a fim de ficarmos juntos. Intenções que evaporaram-se gradualmente perante o alvoroço do novo mundo que surgia.
Associo a esta mudança, alguns outros marcos históricos da minha vida. Primeiro relógio de pulso, ter o Bilhete de Identidade, ter o Passe Social da Rodoviária Nacional e aprender a defender-me porque não podia ir a correr para casa.
O nome oficial da escola era “Escola Preparatória Professor António Pereira Coutinho”. Já não existe. Actualmente o terreno é parte do estacionamento do hipermercado Jumbo/Pão de Açúcar. A actual escola situa-se no Bairro do Rosário. Achei surpreendente que em todos estes anos nunca me questionei sobre quem foi este senhor. Foi necessário estar a fazer este texto para mexer-me nesse sentido. As coisas que deixamos escapar entre os dedos…
No site da escola encontrei esta informação:
"Faleceu, a 13 de Fevereiro de 1964, o Dr. D. António Pereira Coutinho, figura relevante no concelho, onde exerceu com muita dedicação as funções de médico municipal, subdelegado de saúde, clínico do Hospital da Misericórdia, da Associação dos Bombeiros, da Legião Portuguesa, da Casa dos Pobres e da Policlínica de Cascais. Pessoa de fino trato, extremamente modesto, foi amigo dos pobres a cujo serviço se devotou desinteressadamente.
Desde logo, foi ideia dos munícipes, prontamente concretizada pela Câmara, homenagear o Dr. António Pereira Coutinho. Foi dado o seu nome a uma rua da Amoreira e à primeira Escola Preparatória do concelho. Justa homenagem a um grande coração."
(retirado do livro "Cascais Vila da Corte" de José d´Encarnação, p.77)
2 comentários:
Mexer e revelar factos do baú das memórias é sempre salutar...
Abraço do João Carlos.
...somos todos tão iguaizinhos! E, ainda assim diferentes, não é ? Gostei do teu caderno de duas linhas, do teu pão que saíu bem, das tuas fotos da(s) serranias, da planície alentejana...enfim!Gostei... Vê se apareces no meu blog : comlicencadamesadedeus, está a ser seguido pela nossa CGS, encontras logo!
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