segunda-feira, 21 de março de 2011

domingo, 13 de março de 2011

Sombras iluminadas

“Vivemos num tempo atónito que ao debruçar-se sobre si próprio descobre que os seus pés são um cruzamento de sombras, sombras que vêm do passado que ora pensamos já não sermos, ora pensamos ainda não termos ainda deixado de ser, sombras que vêm do futuro que ora pensamos já sermos, ora pensamos nunca virmos a ser.”

(Boaventura de Sousa Santos)

segunda-feira, 7 de março de 2011

Espera

Os seus passos estavam circunscritos a um espaço desenhado imaginariamente no chão da esquina solarenga. Esperava. Esperava visivelmente aborrecido como quem esperava a mais aborrecida das pessoas. Cara sisuda; olhos impacientes; passos lentamente curtos. As mãos, de algum modo igualmente aborrecidas, viajam entre os bolsos e outra qualquer parte do corpo que aparentemente necessitasse de uma coçadela ou de um afago.

Por vezes fazia questão de parecer interessado na montra da loja. Não porque isso lhe fizesse parecer o tempo de espera mais suportável, não. Simplesmente porque sentia que alguém que o observasse poderia classificar o seu comportamento como suspeito. Mas ao olhar para a montra pareceria inserido no movimento urbano. No vaguear do olhar pelas peças de roupa expostas atrás da vitrina não conseguia evitar ser atravessado por uma raivazinha cortante. Mas por que carga d’água tinha de se importar com o que qualquer pessoa pensasse? Que raio de feitio! Como se o facto de estar à espera de alguém numa rua fosse uma ousadia, uma afronta, um crime público. Estava entranhada nele a sensação de que tinha o dever de explicar sempre a estranhos o porquê de tudo o que fazia. Repreendeu-se com um palavrão e voltou ao seu circuito imaginário na calçada.

A verdade é que não gostava de esperar. Quando levava algo para ler ou uma sopa de letras para se entreter, ainda vá lá! Mas, sem estas actividades achava que eram minutos perdidos. Mas, pensando bem, sentia ainda mais horror se imaginasse que alguém esperava por ele. Corria o risco de que os outros o desqualificassem numa hipotética escala social de valores. E as conversas que nas suas costas não abundariam pelo facto... Claro que ninguém lhe contaria as piadas e as censuras proferidas, não. Mesmo que as subscrevessem, haveriam de desenrolarem sorrisos solícitos quando o encontrassem. Assim, preferia, sem a mínima hesitação, ser ele a esperar e a proferir insultos mentais a quem tinha que esperar demoradamente.

Nem tudo corria mal. Pelo menos estava sol.