sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O homem da torre



Fui ao Porto. Mesmo perante a multidão confundida de veículos mantive a determinação de chegar ao centro. Não só porque tinha pouco tempo para o que queria fazer, mas porque sim (pensando bem, era especialmente pelo sim). Perto da Torre dos Clérigos vi que havia um lugar livre. Perfeito!


Reparei também numa pessoa levemente queda e, mais de perto, com uma face onde convivia uma barba alva com uma expressão de quem espera sem realmente esperar. Não reconheci de imediato mas cheguei à conclusão de que era um arrumador. Arrumador! Um eufemismo para rotular alguém que nos sinaliza, com um tempero de súplica, um lugar para o carro e, depois, com uns gestos decididos, orienta a nobre tarefa de encaixar o carro no espaço que tanto necessitamos. Alguém que cumpre esse seu trabalho com mais zelo do que muitos trabalhadores “normais” que encontramos noutros locais. Alguém que tentamos esquecer rapidamente porque está ali a fazer aquilo.

(Mea culpa. Normalmente também sinto-me inexplicavelmente incomodado pela presença dos arrumadores. Não sei porquê mas desta vez isso não aconteceu; paradoxalmente até fiquei com muita vontade de estacionar ali.)

Depois do carro estacionado, não me pediu nada. Nada de olhares suplicantes, nem mãos estendidas. Apenas ficou perto, com um olhar onde residia uma dignidade intocável. Foi a moeda que, recorde eu, dei com mais vontade e com o sentimento de que era insuficiente.

Quando voltei já era noite mas ele lá continuava. Fiel no seu posto, acompanhado pelo saco reciclável do Pingo Doce onde descansava sonolento um chapéu-de-chuva. Antes de ligar o carro para me ir embora, quis ficar a olhar para ele durante uns momentos. Podia perfeitamente ser alguém da minha família. Surgiu-me a vontade de entrevistá-lo para lhe escrever a biografia. Onde nasceu? Que recordação guarda dos seus pais? Que profissão teve? Qual a sua cor favorita? Casou e teve filhos? Qual foi a maior alegria que teve? Quem é o seu melhor amigo? O que pensa da Torre dos Clérigos? Tem alguém à espera em casa?


Não tive mais tempo para mais. As cidades têm destas coisas: Assustam-me mas também me atraem.

3 comentários:

Tito Anacleto disse...

O Norte de portugal, é o mais lindo do Mundo!!!

Anónimo disse...

Há arrumadores e "arrumadores".
Abraço do João Carlos.

Anónimo disse...

excelente descripción y lo puedo afirmar porque yo también estaba allí aunque no supe ver en aquella persona todo lo que tú viste. Simplemente magnifico.